ÚRSULA GARCIA - PATRONA DO CONCURSO
























EPOCHAS D'UMA EXISTÊNCIA


ÚRSULA GARCIA


Um livro antigo achei, qual se perdido

N'alguma antiga e abandonada igreja

Precioso missal fosse esquecido;

Nelle parece que um mystério adeja.

Penso que foi um livro mui querido,

Mas cujo dono a morte arrebatasse,

E o triste à solidão do pó, no olvido,

Annos inteiros por ali ficasse.



Era este livro um álbum envelhecido,

Um simples álbum de photografias.

O perpassar do tempo já volvido

Veio tornar-lhe as côres mais sombrias;

Ninguém se importa mais que o livro seja

Folheado, revisto.... Quantos dias

Essas folhas a luz dom sol não beija!

Pobres folhas colladas! Eu abri-as.



D'uma creança eis o retrato. A face

Risonha rochonchuda, petulante...

- Se uma esperança viva se encarnasse

Tinha esse rosto alegre, irradiante.

Como é feliz! Que sonho indefinido

Enche de luz o rizo que roreja

Seu lábio em flôr... seu lábio que o gemido

Não presente, e só júbilos poreja

Eil-a crescida; o seu sorrir fugace

Reflecte o gozo que o viver festeja

De quem venturas e prazer sonhasse

Na rosea idade que a illusão corteja.

Confiante, animosa qual se erguido

Altar de offerendas seu porvir pensasse,

E de flores viçosas um tecido

Julgasse o trilho em que garbosa andasse.



Outro retrato. É moça; o olhar perdido

Num sonho apaixonado inda sorri.

Como ella crê no seu porvir querido!

Como ella espera ser feliz aqui!

(Aqui na terra?!) Neste mundo, almeja

Achar um ninho para o seu amor?

Dil-o seu rosto, o seu olhar. Dezeja

Viver ditosa, triunfar da dor?



Quem seria o seu dono? Se falasse

Diria o quanto fora estremecido...

Talvez até thesouros encerrasse!

Porém tudo acabou! Nem mais viceja

Florido ramo em tronco carcomido...

E o sol se manda um raio à velha igreja

É um raio frio, pallido, perdido.



























À ANNA NOGUEIRA E À AMELIA DE FREITAS BEVILACQUA


Um anno apenas tem nossa amisade
E o coração já não lhe sabe a idade.
ÚRSULA GARCIA




Eram escriptos meus fragilimas lianas

Que o vento sobre o chão arremessava a flux:

Jamais se erguera um ramo; a folha mais ufana

Nunca deixara a sombra, ignorava a luz.



De uma affeição selecta, amiga e irmã no fado

(Que a magoa nivelou seu coração ao meu),

Igual ao doce orvalho, piedoso e abençoado

Deu força à debil planta e a fez olhar o céo.



Outra, arvore opulenta e protectora, eu via

Attrair-me gentil, e n'ella me amparei;

Esteio, sombra amiga às flores acolhia...

E o que fizestes ambas por mim, somente em seu.



Assim, a vós eu devo a vida dos meus versos,

A vida dos meus cantos, ao vosso coração;

Uma os ergueu do pó, aonde eram dispersos,

Outra lhes deu ao sol lugar e protecção.



Oh! como eu amo os lindos passarinhos!

Flores vivas que são, quase anjos vôam...

Que doce mimo em aereos ninhos!

Quanta belleza no cantar que entôam!



Amo-os... sempre os amei, desde criança.

Aos meus risos seus cantos misturaram,

De minha sorte na fatal mudança

Seus gorgeios talvez me consolaram...



Aves do céo, quando eu morrer, na cova

Que o meu corpo encerrar, vireis um dia?

Oh! vinde, sim, cantar-me a ultima trova!

Creio até... (se outra vida se renova).

Que em passarinho em me transformaria.











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